Querida Clarinha,

Você quer brincar comigo?
Do que?
Ah! A gente inventa!

Uma das muitas coisas que vivi nas Janelas Poéticas foi a utilização de objetos. Gosto muito quando me dão um objeto. Gosto de investigar sua forma, sua cor; gosto de experimentá-lo de todo jeito. Assim me sinto um pouco criança. Aquela criança curiosa que quer entender o que as coisas significam sempre resignificando as coisas... Eu sei que vc me entende, não é?
Mas as vezes os objetos fagocitam a gente...É ruim? Não sei...Eu sei que é demais fazer pedra virar flor...
Penso que com nosso corpo, com ou sem objetos, podemos criar e recriar muitas coisas no movimento. Por isso, se formos fagocitados, tudo bem.
Assim, inspirada nas brincadeiras que vivi com os objetos, quero brincar de dançar contigo.
Essa dança-proposta para vc é uma dança do sozinho.
Sabe quando estamos brincando sozinhos? E não estamos nem aí para quem estiver por ventura observando (acho que as crianças fazem muito bem isso! Será que o adulto ainda faz?)? Ou quando a gente está cantando no chuveiro imaginando uma multidão de fãs nos ovacionando? Ou quando olhamos para o espelho e ficamos fazendo um monte de caras e bocas se transformando em tudo que gostaríamos de ser? Ou quando tomamos várias biritas a mais e descemos até o chão ouvindo Daniela Mercury? Então, é essa sensação que gostaria que vc buscasse. Sem o Outro me repreendendo, como eu posso dançar do meu jeito?
A criança e o louco. Se ligar em despropósitos e brincar a vida sem preocupar-se com a matéria. Ser aprendiz da sua própria dança.
É a tentativa de uma dança que é feita para vc se deleitar, se surpreender , se divertir e aproveitar a partir de tudo que seu corpo pode querer fazer sem o compromisso de apresentar para ninguém.
Eu quero que vc dance e dance muito!!Eu quero que vc brinque e brinque muito!!
Quero te dar liberdade para brincar com a dança fazendo do seu corpo seu principal brinquedo!
Mas, por sua vez, temos que seguir um processo onde vamos ter que chegar à um lugar, um tal de estudo coreográfico...onde? Não sei ao certo...
Sei que não é uma dança para criança apreciar...
Sei que não é uma dança para adulto apreciar...
Sei que é uma dança para a Clara apreciar...
Sei que é uma dança para a Clara se olhar no espelho e gostar...

Quanto ao como da apresentação do solo, penso talvez em vídeo, talvez uma foto-dança (tipo foto-novela) e se for performance, talvez possa ser num lugar nada inspirador a priori para uma criança, tipo com bastante cinza em volta, esses lugares bem urbanos que poderiam ser de qq metrópole do mundo. Mas como toda criança brinca em qq lugar, vc poderá dançar com toda sua espontaneidade tentando se livrar dos seus julgamentos neste lugar tb...o que acha?


Enfim, veremos o caminho a percorrer. Penso em usar objetos, ainda não sei bem quais porém imagino que quando estamos na relação com o objeto talvez possamos nos perder nele e esquecer um pouco de quem pode estar nos observando...É uma idéia...Será que funciona? Um dos objetos que pensei é o espelho. Como este encanta/hipnotiza as crianças! E como elas podem ser tudo a partir de seu próprio reflexo! Será que conseguimos suportar dançar olhando seu reflexo?
Quando eu vi que eu tinha te tirado, num primeiro momento pensei: chiii, a Clarinha já faz muito do que tenho para propor na Balangandança, será que ela vai querer brincar comigo também? Daí pensei: o que ela faz lá tem uma proposta de pesquisar uma linguagem para criança, aqui ela poderá esquecer isso e pensar numa dança para ela...Será que ela vai gostar? Bom, vamos ver...

E aí? Vc gostou? Vamos brincar?


Brincar...